Sim, sou paciente de cannabis medicinal. Sofro de Transtorno do Espectro Autista – TEA [recentemente diagnosticado], sou ativista de várias pautas sociais [sim, é uma doença, sabia não?] e sofro de variações bruscas de níveis de serotonina e outros neurotransmissores, o que gera picos intercalados de ansiedade e depressão. Essa variação binária é basicamente o que muitos avaliam como bipolaridade e que os remédios convencionais não conseguem curar [será que eu não teria que tomar lítio??? sério! não!].
Ser incapaz de curar não é o único limite dos remédios sintéticos que tomamos. São justamente essas merdas que nos escravizam. No seu bate bola com nossos componentes químicos, mandam um passe de desaceleração para domínio da depressão, que retribui com uma bomba de estimulante antidepressivo para a ansiedade engatar um ansiolítico de trivela, gol!! [ééééééééééééé] Da indústria farmacêutica!!!
Sim [rufem os tambores!], eu sou uma cobaia autoconsentida da Ciência para o tratamento de patologias mentais com cannabis medicinal. Tudo legalizado e com acompanhamento médico [nem adianta incomodar]. Foi apenas depois de velho que descobri a obra prima mais bem concebida da natureza. Descoberta, cultivada e manipulada pelo povo que mais soube desenvolver equilíbrio corpo e mente na história da humanidade; e adotada no centro do progresso intelectual das civilizações mais desenvolvidas no mundo, desde Índia e Egito, até impérios africanos. A partir dos africanos, a cannabis foi base para o alívio da maior tragédia já cometida pelos seres humanos [o apocalipse chega a ser pouco para a punição que merecíamos pelos crimes cometidos por nossos ancestrais].
Qual tragédia? A escravidão de outros seres humanos estabelecida internacionalmente como base de um novo modo de produção econômica. É a sapiência que permitiu a sobrevivência de cerca de 11 mihões de gentes [de seres humanos!], que na época representavam em torno de 50% da população das Américas. O povo humano que estava fadado a sofrer essa tragédia sentiu a dor mais profunda entre todos os povos do mundo. Muito maior que o holocausto de judeus do século XX. É claro que essa última tragédia também foi muito terrível, mas incomparável em proporção, violência e longevidade.
Os povos americanos locais, donos da terra, foram exterminados, sem segredo algum. Talvez só nunca souberam os europeus liberais, ferrenhos defensores dos direitos de propriedade. Dentre os que chegavam na costa das terras indígenas, os que vinha mais de reto, do horizonte, traziam um povo todo estraçalhado, acorrentado e subjugado. Os da diagonal direita [ops, esquerda] de quem tá olhando para a praia [presta atenção, Xaiane!] traziam, de quando em vez, uma gente cheia de pano brilhoso, mas fedida e enjoada, pois não conheciam coisas boas para aliviar as dores e as ideias, a emoção e a razão. Em barcos menos pomposos, que vinham da mesma direção, chegavam uns brancos esrebuceteados, cagados e pobres, que chegavam achando que tudo daqui era deles. Os que tinham mais poder e amigos conseguiam terras mais perto da capital. Esses brancos que trabalhavam tinham o mesmo problema de não saber se aliviar com as coisas da natureza que são realmente sagradas. Isto, porque o cristianismo fez a Europa e o mundo não-branco [essa é uma boa classificação para as relações internacionais] esquecerem da natureza. Hoje em dia querem impor ao resto do mundo obrigações com a natureza que nunca consideraram importantes, aliás, desde o declínio do Império Romano torturavam e matavam quem considerava importante.
O povo africano da diáspora, o verdadeiro sacrificado pela humanidade, o Cristo coletivo, é quem nos trouxe o segredo de não terem matado todo mundo quando conquistaram a alforria. O golpe mais profundo foi a alegria, o amor e a solidariedade com que responderam a maior tragédia da humanidade. Não com drones e tanques enviados para dispersar uma população de não-brancos famintos [e se fossem os cristãos o saco de pancada para acalmar os ânimos decorrentes do trauma da vítima de genocídio, representados na política de guerra de Israel, Ruanda, Marrocos, Arábia Saudita?]. Frente à tragédia do tráfico e exploração internacional de escravos africanos em ampla escala, de todas as idades, violentados a todo o instante e banidos de seus nomes, família, função social, língua, história, cultura e religião [racismo que até hoje existe, transmitido globalmente ao vivo nos estádios de futebol!!!!!], os africanos responderam.
O presente mais sagrado que se poderia dar a um amigo eles compartilharam com seus inimigos. Mas isso não podia ser aceito, era um insulto. O branco europeu sempre sustentou que homem que é homem, homem macho, tem é que desafiar, duelar. Mas a solução da transculturação mostrava que o negro e o indígena era teimoso na lida de fazer a sua cultura vingar sem se vingar. E esse é o ponto de valor que ainda resta no sincretismo, a capacidade de fazer a cultura subalterna sobreviver. A guerra de posição de Gramsci. Fora isso, o sincretismo é basicamente aculturação e higienização. Assim como, fora os poucos casos de amor e empoderamento de homens e mulheres pobres e segregados, a miscigenação não foi mais do que a prática institucionalizada de estupro das africanas e indígenas por brancos europeus. Mesmo nesses casos tão profundamente dolorosos, os povos escravizados concederam acesso a sua sabedoria, inclusive à sua medicina tradicional. E dentro dela, à cannabis.
Uma das dimensões consideradas por essas sociedades advindas do politeísmo era justamente a sacralidade da natureza, que pode permitir contato com o divino, e a revelação das estética de deus, a sua beleza, os seus ensinamentos, o seu amor. O amor do e ao cosmo. E plantas tais como a coca in natura, a erva-mate, o peiote, o mistura da aiuasca, a cannabis sativa, a cannabis indica, o tabaco, o mescal, o cacau, o açaí, o guaraná, o café, além dos cogumelos, são todas capazes de ativar repostas do nosso organismo relacionadas à nossa disposição e humor, chegando até mesmo a alucinar.
Esses ativadores sempre existiram ao redor do mundo e resultaram em bebidas e fumos que liberam substância psicoativa bem populares entre os brancos. Eles, inclusive, na maioria dos casos capturaram verdadeiras especiarias ancestrais da periferia para suportar a sua condição multipatológica decorrente do crescente desequilíbrio no seu contato com a natureza. Mas esse é o verdadeiro inferno que existe. Um remédio, para quem não conhece o conceito. Apenas alguns desses estimulantes neurológicos naturais foram vistos como mais perigosos, justamente por estarem associados a rituais sagrados que permitia aos politeístas, sobretudo os sacerdotes, verem, considerarem e revelarem múltiplas dimensões da realidade social, individual, espiritual e cósmica.
E o meu remédio natural, que tantos se sacrificaram para conseguir fazer continuar existindo, me mostra claramente. Há uma cor no fim do túnel. Chegando bem pertinho, ela é a mistura perfeita de todas as demais. Ela é preta.
Deixe um comentário