Para onde foi o Rock? Sumiu das rádios, da TV, da linguagem da juventude. Lembro bem como cresci cercado pelo apelo à música, vindo de rádios, como a Ipanema FM e 107 PopRock, e da MTV. Naquela época, anos 1990, vivíamos a padronização musical produzida pela enxurrada de recursos das grandes gravadoras nas emissoras de TV e rádio que nos deixavam à mercê da escolha das emissoras e sua lista de artistas que pagavam jabá. Por outro lado, a projeção de bandas de rock era incrivelmente maior. Se alcançasse uma grande gravadora, ganhava o mundo. E com isso, projetava a narrativa crítica do Rock n’Roll, o estímulo à reflexão e à ação. Se, na época, eu nem percebia algumas dessas bandas como Rock de verdade (confesso que fui um purista durante anos), hoje sinto a sua falta no cenário musical. Vejo a juventude marcada pela cultura Pop, pelo extravasar da diversidade e liberdade sexual. Mas essas pautas são muitas vezes socialmente descoladas, fundadas na autoafirmação e identidade particular e não da cultura crítica de massa que agrega diferentes classes, raças, gêneros e países.
Essa magia integradora de diferenças é a essência do Rock. Hoje não considero Rock apenas o estilo stricto, com guitarras pesadas e solos, bateria destacada, baixo marcado e vocais agressivos. Rock é mais uma atitude do que um som específico. A atitude é a essência. Timbre, andamento, e ritmo são as formas. Bob Marley, por exemplo, é para mim um grande artista Rock. Ele inclusive deixa pistas dessa compreensão em Roots, Rock, Reggae. Mas o que esse Rock, essa atitude, em sentido amplo representa, afinal? É a atitude desestabilizadora, sem compromissos com padrões, convenções e estruturas estabelecidas. Apenas reflete verdade, honestidade e pureza de espírito, com o compromisso de mudar o que virou ultrapassado, conservador, retrógrado. Seja do ponto de vista comportamental, estético, sonoro ou ideológico, o Rock será sempre revolucionário. Essa é a poesia do Rock: o coração e o sentimento transparente batendo e o que tenta ser escondido falando mais alto; enquanto a razão e o erudito cedem espaço por um instante.
O folclórico e cultural, o mítico, o politicamente correto e incorreto, a ostentação erótica/sexual, o sério e erudito, o socialmente engajado, o amor de todas as formas, o cômico, o político e ideológico. O rock usa qualquer pauta a seu favor, a favor da desestruturação das bases estabelecidas, sejam elas emocionais, sociais, políticas. Por isso, o Rock é libertador inclusive para o artista. É uma terapia, uma catarse criativa, que por se conectar ao seu inconsciente tem propriedades psíquicas e espirituais incríveis. Se for o caso o artista as usará espontaneamente como dispositivos a favor da sua criatividade, desde que com honestidade pessoal. Até o romântico mais meloso é autêntico com essa postura que caracteriza o Rock que aqui concebo. Essa característica se conecta com o conceito de Ayan Agalu, a energia indiscriminada concretizada em som, ritmo e tom. A concretização tem infinitas possibilidades, tão diversas quanto nossos sentimentos e emoções. Se realizam com o simples ato de romper o estático do universo.
É por isso também que muitas bandas de Rock o são apenas formalmente; não em essência. O Rock brasileiro, por exemplo, é atualmente representado por quem? Bandas que reproduzem discurso conservador, reacionário, sem qualquer compromisso de denunciar o status quo, as estruturas de poder estabelecidas e fortalecidas pela manipulação pública? Mesmo bandas populares, bem pagas e badaladas da minha juventude acusavam o establishment. Titãs, Rappa, Planet Hemp, Charlie Brown Jr. são exemplos incríveis de como letras e shows eram iniciação à crítica política e social. Não constituíam a consciência em si, mas a desconstrução necessária para iniciar a trilha individual da tomada de consciência. Em que músicas atuais populares entre jovens, com projeção realmente massiva, vemos a coragem de afirmar “A Televisão me Deixou Burro Demais”, “Também Morre Quem Atira“, “Eu Canto Assim Por Que Fumo Maconha” ou “Eu Vou Mudar Tudo o Que Não Me Convém”. Em um dos momentos mais necessários de nossa história recente, essa atitude faz falta. Pode parecer um argumento pretensioso, mas talvez justamente a ausência dessas vozes de aglutinação de massas em ideias de contraponto ao socialmente aceito contribuiu para chegarmos nesse ponto de grande crise política de ideologias progressistas. A alienação da juventude predomina em pautas sexuais, do prazer da balada, do corpo, da extravagância, da ostentação e da sofrência.
Por isso o projeto Ayan Agalu buscará contribuir para resgatar essa raiz de autenticidade e coragem de romper com nossos medos. Inicia agora a seção #ROCKPoetry! Publicaremos regularmente no Instagram do Ayan cards que servirão para nos lembrar de algumas dessas mensagens de crítica, mobilização, autenticidade e honestidade com o que somos e o que a nossa sociedade precisa que sejamos. Para refrescar e energizar nossos dias, para lembrarmos dessa essência sempre que pudermos, vamos disseminar essa essência do Rock presente em diferentes canções, de diversas gerações e concretizadas em variados estilos. Fiquem ligados e curtam #ROCKPoetry!
Deixe um comentário