Ok, nós sabemos. Já faz muito tempo que não escrevemos nada para o blog e nesse tempo vivenciamos muitas experiências interessantes, outras nem tanto. Porém, todas nos fizeram tirar algum aprendizado, ou mesmo representaram um desafio à nossa capacidade de viver e compreender diferenças. Assim vamos caminhando, aprendendo e tentando cultivar a tolerância às diferentes vistas e pontos de vista.
Estamos “a” retornar de Maputo, transportados pelo ônibus que carrega a marca da caxiense Marcopolo.
A capital de Moçambique foi, infelizmente, a única cidade que conseguimos visitar neste país de contrastes. Ouvimos falar muito bem das praias paradisíacas do norte, na região de Inhambane e Xai-Xai e de ilhas que atraem os famosos hollywoodianos. Nós, como viemos de passagem curta e a trabalho, permanecemos na capital, que fica a pouco mais de cem quilômetros da fronteira com a África do Sul.
A viagem de ônibus desde Johanesburgo soma umas 10 horas, contando com a parada na fronteira, onde deixa-se o ônibus e caminham-se alguns quilômetros em um labirinto de prédios no meio do nada, que buscam controlar a imigração em massa de trabalhadores do México, digo, de Moçambique.
Na realidade, a mão de obra barata e subexplorada do país serviu historicamente, e serve ainda hoje, de importante recurso para a indústria mineira sul-africana. Esta conta com acordos com o governo da FRELIMO, herdados da era colonial, que estabelecem critérios de garantia, controle e recompensas.
Os trabalhadores que permanecem no país trabalham sobretudo na área dos serviços relacionados ao comércio internacional de mercadorias exportadas de, e importadas para, Gauteng (coração econômico da África do Sul) e Harare, capital do Zimbábue (antes a única economia na região capaz de concorrer com os sul-africanos). Fora os serviços, há a agricultura, ainda de perfil predominantemente familiar, mas que está em vias de modernização. A agricultura familiar, a pesca e alguma manufatura local serve de fornecedora de produtos que são vendidos por todo o lado na cidade de Maputo. As bilhares de feirinhas de rua dão o tom da paisagem completamente caótica.
O transito agressivo, sobretudo da parte das mini-vans (que fazem o que querem, quando querem, sem sinalizar e de quebra revidam reclamações), dá movimento estonteante às ruas de geralmente precárias condições e sem saneamento algum (lixo por todo o lado). Não é a toa que a luta contra a Malária é tarefa ingrata aos agentes de saúde pública – que lutam contra a cultura de “sujar o que não é meu”.
O sistema de segurança pública também possui seus problemas. Devido a cláusulas no acordo de paz, equipamentos de guerra russos apodrecem em um terreno ao lado do aeroporto, quando ainda nem foram pagos. Policiais caminham nas ruas com Kalashinikovs AK-47 (armas de guerra) a tira colo. Pouco se sabe se são capazes de manuseá-las com segurança. Além disso, devido ao alto nível de corrupção entre policiais (visto sobretudo no trânsito, quando lhe aplicam a toda hora multas indevidas) as armas acabam parando na mão de quadrilhas. Entretanto, é de fato muito mais seguro caminhar nas ruas da cidade do que nas de Johanesburgo ou Pretória.
Outro ponto positivo é que as pessoas são muito mais empreendedoras aqui, ao contrário dos sul-africanos. De fato, atualmente os empreendimentos comerciais de rua na potência econômica do continente são em geral iniciativa de Moçambicanos, que são comerciantes natos, além de Zimbabuanos e Nigerianos. Está aí uma das razões da famigerada xenofobia. Em Maputo, a todo o canto encontram-se banquinhas, ferinhas, vendedores ambulantes que substituem a paisagem Joziana dos pedintes nas sinaleiras. Não é pela falta de pobreza que aqui não há pedintes, mas pelo trabalho árduo daqueles que buscam soluções alternativas à acomodação.
A despeito das incapacidades econômicas geradas pelos anos de guerra civil e por parcerias que não geraram frutos satisfatórios (com o FMI, por exemplo), o governo tem projetos robustos de desenvolvimento, investimentos em serviços públicos e infraestruturas. A parceria com chineses e brasileiros possibilita investimentos mais alinhados às vontades nacionais. Os chineses revitalizam as construções públicas a preços baixíssimos e sem contrapartidas. Os brasileiros auxiliam, com condições mais em conta, no desenvolvimento de infraestrutura portuária de águas profundas e na exploração de carvão, alternativa à energia hidrelétrica. Esta possui produção superavitária (sobretudo por Cabora Bassa), mas é demandada em peso pela África do Sul e ainda não é utilizada pela própria população nacional, que vive com déficit de energia. De fato, muitas regiões periféricas da cidade vivem às escuras.
Além disso, os Moçambicanos parecem colher os frutos da unidade nacional, após décadas de guerra civil. A oposição da RENAMO está acomodada na Assembleia da República, onde possui minoria incapaz de ditar diretrizes ao governo. Esse é um ponto que pode preocupar, na medida em que o grupo pode passar a reivindicar participação política por outras vias (armas). Entretanto, ao contrário do passado, essa tarefa seria improdutiva, haja vista que não receberia apoio algum de países vizinhos ou parceiros extrarregionais. O senso de patriotismo é sentido quando se conversa com as pessoas, que exaltam o caráter heroico dos líderes da independência/revolução. Falam com orgulho de Eduardo Mondlane, Samora Machel, Josina Machel, Joaquim Chissano. Suas estátuas são grandiosas e servem como pontos de referência na cidade.

O português, falado de modo um pouco mais largado que o de Portugal, também é consenso. Todos o falam em lugares públicos e entre si, ao contrário do que ocorre com o inglês na África do Sul, que é utilizado quase que de modo secundário. As novelas e músicas brasileiras ajudam a criar a proximidade conosco. Grupos sertanejos são escutados por muitos e o sotaque brasileiro é logo reconhecido. A indesejável presença das igrejas evangélicas também contribui para interpretações positivas e negativas, mas que são toleradas pela parceria histórica entre Brasil e o movimentos de libertação nacional da África Austral. De fato, comenta-se que, se Machel estivesse vivo, ao lado de ruas nomeadas com referência a heróis nacionais e continentais como Kwame Nkrumah, Julius Nyerere, Kenneth Kaunda e Patrice Lumumba, haveria lá a Avenida Luis Inácio Lula da Silva. Obs: parada obrigatória é o Mercado do Peixe ao norte da cidade. Apesar da apresentação precária, o turista acaba tendo uma agradável surpresa quando se delicia com os melhores peixes, camarões e lagostas que pode encontrar. Tudo fresquinho, comprado na hora e pelo próprio cliente e preparado com o toque moçambicano. Vale cada Metical gasto.
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