Ser pai (no) presente é assumir múltiplas funções. É aceitar nossos limites e focar em prioridades. É ampliar a tolerância e encontrar novas fronteiras para a paciência. É nos tornarmos verdadeiros educadores. É existir fora de si. É aprender a amar incondicionalmente. É contrapormos estruturas sociais com o compromisso de pular no incerto, com a única garantia da metamorfose.
A paternidade é uma verdadeira revolução. Principalmente quando decidimos romper (ou pelo menos tentar) com as estruturas da tradição e sermos pais presentes e participativos; dividir ao invés de ajudar. Se a masculinidade estrutural hegemônica reproduz padrões, papeis, regras, convenções sobre comportamentos e atitudes socialmente adequados, reconstruir o que entendemos por paternidade é revolucionar estruturas sociais. Essas estruturas são recorrentemente reproduzidas por homens e mulheres ao longo do processo da socialização. Por um lado, aprendemos desde cedo que o padrão é sermos pais relapsos, ausentes, descomprometidos, insensíveis, duros, efêmeros. Por outro, desejamos mudanças.
Entretanto, o desafio contemporâneo da masculinidade é menos debatido do que deveria ser. Seja entre mulheres, homens, casais, mães, pais, filhos, psicólogos, pediatras, etc. Queremos melhores homens, melhores pais. Mas o que fazemos, o que a sociedade faz, além da renovada pressão para que sejam melhores? A consciência sobre a estrutura da masculinidade hegemônica é o primeiro passo para educar meninos e homens a se transformarem e ajudarem a dissolver estruturas que condicionam seus comportamentos, os constrangem e, sobretudo, oprimem mulheres. Algumas iniciativas simples na literatura, mídia e sociedade civil têm ajudado bastante e o simples fato de falarmos sobre isso já é um grande passo.
E qual garantia de essa utopia de mudar o papel da paternidade dar certo? Nenhuma. A única certeza é a incerteza. O único destino é a metamorfose. Nem tão trágica como no livro de Franz Kafka, ela produz estranhamento, desconforto, descoberta e, finalmente, reconforto. O primeiro estágio da metamorfose nasce do encantamento, da expectativa do nascimento que chegará e nos apresentará uma dimensão nova da vida. Tudo é expectativa e nos preparamos para sermos os melhores pais que já pisaram neste solo. Recorrentemente pensamos: “com a gente será diferente”. É aí que acordamos para a realidade. Estruturas sociais não são como a lata de refrigerante aberta há dias na geladeira, que você joga fora assim que percebe que ela está ali e já não serve para nada. Elas são a própria vontade de tomar o refrigerante. A questão é bem mais profunda, estrutural.
Da constatação do tamanho da empreitada surge uma segunda fase. Ela é de pavor e desencanto. O nascimento gera mudanças nas rotinas, prioridades e liberdades pessoais. Nunca mais dormiremos até tarde, trabalharemos o quanto quisermos ou seremos os primeiros a decidir a programação do dia? Não. Pelo menos não da forma como era antes. E isso se soma à responsabilidade de assumir uma profissão totalmente nova, com complexidade altíssima e zero treinamento: a de pai presente. Lembro de algumas palavras que anotei quando nasciam os primeiros dentes da Laura:
“O nascimento dos primeiros dentes é uma fase bem cruel. Quase tudo regressa à estaca zero, desde a necessidade de colo aos resmungos incessantes, passando pelas crises antes de o galo cantar. Já estávamos sentido saudades do amigo do “Hora Um”. O problema é que as mães e os pais tendem a confiar que a fase ruim passou. Sempre nos dizem: “depois do nascimento, o desconforto passa”, “quando forem para casa será uma maravilha”, “o final dos três meses será prenúncio do paraíso”, “quando começar a caminhar a coisa alivia”. A verdade é que pais são eternos iludidos. É o famoso pacto secreto involuntariamente adotado por pais e mães que consagra mais ou menos o seguinte: “tenha fé que, talvez um dia, a vida volte a ser menos insana”. Acho que na verdade é o amor cada vez maior que sentimos, além dos lapsos de memória, que nos faz valorizar os progressos e momentos de felicidade em detrimento das fases ruins. Que venham este e mais tantos outros dentinhos…”
Àquela época, as palavras já indicavam o surgimento de uma terceira fase, a da aceitação e busca pela eficiência. Começamos a ter noção da nossa incapacidade de controlar tudo, da impossibilidade de sermos pais perfeitos. Passamos a focar em resolver e aproveitar o que verdadeiramente importa, na paternidade e fora dela. Eu diria que é nessa fase que surge verdadeiramente o amor. É quando, geralmente à distância, cai a ficha de que já não sabemos mais o que era felicidade sem essa figurinha. Para professores, como eu, é justamente quando começamos (e apenas começamos) a sentir a responsabilidade e os limites que temos no processo de aprendizagem. Passamos a nos tornar educadores. Certamente outras fases virão e recomeçarão ao longo dessa jornada, ao longo da qual um pouco de cada uma permanecerá. Todas elas nos ensinam a aceitar o incerto e a mudança. A nos tornarmos parte agente da revolução; a sermos nada mais que metamorfoses ambulantes.
Deixe um comentário